UM MOMENTO DECISIVO PARA A AMÉRICA LATINA: NOVE MENSAGENS DE NOSSA CONFERÊNCIA DE ALTO NÍVEL
09 junio 2015
Fuente: Pegado da Web do FMI
Fuente: Pegado da Web do FMI
Washington, 9 de junio de 2015.- A América Latina chegou a um momento crítico. Está em situação muito melhor do que há duas décadas, mas ainda enfrenta problemas arraigados que interferem na busca do crescimento forte e sustentado e do desenvolvimento econômico. Para compreender melhor esses problemas do ponto de vista dos países e explorar como o FMI e outros parceiros podem ajudar a superá-los, reunimos peritos da América Latina e de outras regiões — dirigentes de bancos centrais, ministros da Fazenda e acadêmicos — em uma conferência de alto nível aqui em Washington.
A partir do tema “Novos desafios para o crescimento e a estabilidade”, os participantes travaram debates intensos sobre as atuais dificuldades que a América Latina enfrenta e as prioridades para as políticas no presente e no futuro.
São estas, na minha opinião, as principais mensagens desse evento:
1. Desfrute o progresso. Todos reconheceram que a América Latina evoluiu muito desde os tempos de hiperinflação e crises da dívida das décadas de 80 e 90. Os quadros de política macroeconômica foram reforçados e, em muitos países, a flexibilidade cambial serve como um amortecedor importante contra choques externos. Enquanto isso, os níveis de pobreza caíram, a desigualdade diminuiu e a classe média se expandiu. Esses avanços socioeconômicos foram respaldados pelo estabelecimento generalizado de sociedades democráticas.
2. A vida após a bonança. O otimismo de 2010, quando a região demonstrou um impressionante poder de recuperação após a crise financeira global, registrando taxas de crescimento superiores a 6%, se dissipou. Desde então, a atividade econômica vem desacelerando a cada ano, e a maioria dos painelistas concordou que o crescimento a médio prazo provavelmente também será medíocre, uma vez que a “boa sorte” trazida pelo boom no mercado de commodities terminou e as fragilidades estruturais — na forma de baixos níveis de poupança e de investimento e baixa produtividade — ficaram evidentes. Nas palavras de Mario Blejer, não há dúvida de que “a festa acabou”.
3. Riscos. As opiniões foram mais variadas ao abordar a elevação dos juros nos Estados Unidos e seus efeitos sobre a região, como a possível saída de capital, maiores custos de financiamento e o enfraquecimento das moedas nacionais. Houve quem argumentasse que os balanços da região são bastante resilientes, uma vez que boa parte da dívida pública é hoje expressa em moeda nacional; as reservas cambiais são amplas e as empresas aprenderam as lições de crises do passado e só contraem dívidas em moeda estrangeira com a cobertura apropriada. Mas outros ainda percebiam vulnerabilidades acentuadas agora que as empresas em toda a América Latina enfrentam uma combinação de maior endividamento, crescimento mais baixo e recuo dos preços das commodities. Ao acrescentarmos a isso o possível risco de novo declínio dos preços das commodities, talvez no contexto de um crescimento abaixo do esperado na China, o período à frente ainda poderia ser, nas palavras de um participante, “turbulento”. Concordo, sem dúvida, que a vigilância será fundamental.
4. As políticas importam. Embora o panorama geral seja relativamente sombrio, existem diferenças importantes dentro da região. Muitos oradores enfatizaram que as perspectivas são relativamente mais favoráveis para os países com fundamentos macroeconômicos mais sólidos, que estão mais bem preparados para enfrentar tempos difíceis. Em outros países, políticas equivocadas (ou “feridas autoinfligidas”) contribuíram muito para a difícil conjuntura atual, um misto de crescimento baixo e inflação elevada. Carmen Reinhart colocou bem a questão ao dizer que é crucial evitar uma crise macroeconômica — e as expressivas perdas do produto que caracterizaram as crises do passado — para elevar os padrões de vida em toda a América Latina de forma sustentada.
5. Macro versus micro. Mas é óbvio que não basta contar com políticas macroeconômicas sólidas. Como nosso segundo painel discutiu em profundidade, o crescimento da América Latina não acompanha o de outras regiões de mercados emergentes, apesar dos abanicos importantes em termos de estabilidade macroeconômica. Em outras palavras, as condições macroeconômicas melhoraram em muitos países (com algumas exceções importantes), mas os problemas microeconômicos ainda são um grande obstáculo à produtividade e ao crescimento em toda a região. Um reflexo desses problemas é a persistência de um grau muito elevado de informalidade em muitas economias.
6. Prioridades de reforma. Quando o foco se desloca do plano macroeconômico para o microeconômico, a discussão naturalmente se torna mais rica e diversa; ouvimos uma grande variedade de ideias sobre quais são os “fatores mais limitantes” do crescimento. Contudo, havia uma sensação geral de que os mercados de trabalho, a educação, a infraestrutura e a qualidade da governança são as áreas mais problemáticas. Ou seja, para gerar um aumento sustentado do investimento e dinamismo econômico, a América Latina terá que melhorar a qualidade de seu capital físico e humano, bem como das instituições que alicerçam a economia de mercado.
7. Diversificação econômica e comércio. Muitos painelistas argumentaram também que os progressos teriam de passar pela maior diversificação das estruturas econômicas, bem como pela maior integração comercial, seja dentro da própria região, seja em relação a outros elementos dinâmicos da economia mundial, como as famosas cadeias de valor asiáticas. Nesse contexto, diversos oradores consideraram justificada uma intervenção inteligente na esfera setorial. Pessoalmente, concordo com o objetivo de ampliar as bases das economias da América Latina. Mas a tentativa de fazer a sintonia fina do desenvolvimento econômico me inspira cautela. Como observamos em nosso recente relatório sobre as Perspectivas Econômicas Regionais, ainda há muitas coisas básicas a acertar (em termos de educação, infraestrutura e governança) antes de recorrer a políticas setoriais mais ativistas e repletas de riscos.
8. Adesão política. Assegurar o apoio popular às reformas ainda é um grande desafio de política. Nesse contexto, diversos painelistas salientaram o legado da região em termos de desigualdade elevada, que tende a impedir a emergência de um amplo consenso sobre as políticas mais aconselháveis. Um período prolongado de baixo crescimento poderia complicar esse desafio, dadas as expectativas elevadas de novos avanços socioeconômicos. Contudo, ainda há uma margem significativa para obter resultados melhores sem recursos adicionais. Como foi discutido em um dos painéis, as atuais políticas públicas em muitos países latino-americanos -mesmo aqueles com impostos elevados e amplos sistemas de transferência- não melhoram efetivamente a distribuição de renda. Obviamente, é preciso aperfeiçoar o desenho e o foco das políticas para alcançar a prosperidade compartilhada.
9. Transformar desafios em oportunidades. Toda situação difícil é também uma oportunidade para concretizar melhorias decisivas que os países não conseguiram realizar em tempos normais. Os atuais escândalos de corrupção em diversos países são um bom exemplo, se forem utilizados neste momento para promover melhorias duradouras na governança e no Estado de direito. Como disse Armínio Fraga, este poderia ser “um momento decisivo”. Creio que isso seja verdade em um sentido mais geral: a América Latina tem diante de si desafios bastante significativos; sua tarefa agora é encarar esses desafios e transformá-los em oportunidades.
Espero continuar a aprofundar o diálogo sobre esses temas importantes nos próximos meses, à medida que prosseguimos juntos nessa marcha “Rumo a Lima”.